sábado, 24 de abril de 2010

Distâncias


Nunca consegui entender as distâncias pela medida quilométrica - esta que curiosamente leva o nome de uma outra feita pra calcular os pesos - confesso, nunca soube quanto tempo ou custo de viagem corresponde a cada Km percorrido... Eu sei, é a fita métrica cabível entre as rotas geográficas, entre os destinos traçados pelo mapa, é a prévia do saldo bancário com gastos em combustível. É verdade, todo motorista precisa entender de forma prática esse cálculo. Pois talvez essa minha ignorância assumida deve-se a dois motivos: a carteira de motorista, que entre os desvios de rota tornou-se apenas cédula de identidade, e as antigas viagens de ônibus quando menina, em que apenas queria insistentemente saber o tempo que me restava para chegar ao meu belo horizonte.
A medida em quilômetros faz ainda menos sentido nesse momento, onde as milhas facilmente são cruzadas pelos ares e os dias de viagem se transformam em horas. O coração sim, esse parece contar apressadamente a distância, não por metros, mas nas batidas ansiosas pelo momento da chegada, misturado com o pouco fôlego pelo distinto medo, fruto de tudo que é novo e que tem ao mesmo instante o poder de encantamento.
A madrugada fora insone, mas não estava sozinha, me acompanhava no elo virtual com a mesma ansiedade, aquele por quem aguardo a chegada.
É chegada a hora, o céu agora parece ser o transportador do encontro esperado. Das alturas por onde ele vem,  já deve avistar o mar que toca a cidade planejada e o faz recordar as antigas fotos. Os pensamentos, vagam com uma força multiplicadora das sensações por conhecer, essa aparente aventura está de mãos dadas com a incomum segurança surgida desde o início, naquela sintonia incontestável que sempre transformava os momentos cotidianos em uma cumplicidade mútua. O instante se aproxima, eu o espero!
As mãos estão frias apesar do clima quente, arrumo a cada cinco minutos o vestido branco com pequenos detalhes vermelhos, cuidadosamente encontrado para aquela ocasião, igual ele sonhara um dia. O vôo atrasa, parece uma prova de resistência para os pés que anseiam o mesmo chão. Retoco o brilho labial por umas duas vezes, conferindo no minúsculo espelho a minha insegurança, me pergunto novamente se o calçado baixinho era o ideal naquele momento e encontro a certeza nas pernas um pouco trêmulas após presenciar o pouso. Recordo então as frases humoradas sobre nossa velha companheira da vaidade... Respiro fundo, está tudo bem!
Agora eu que estava no alto e aquele vidro parecia embaçar ao procurá-lo entre aqueles que se faziam pequenos, descendo as escadas do pássaro de aço, estava quem eu tanto esperava... O reconheço, surgindo como de um presente desembrulhado, ele veste calças claras e uma blusa escura, combinando com seus cabelos. O coração parece errar a época do ano e começa fazer carnaval, embora num ritmo descompassado. Eu estava sorrindo e nem sequer percebia, sinto como se fizesse frio e calor ao mesmo tempo... Vejo seus passos seguros na nova terra que o recebe, percebo que me busca já com o olhar, nessa distância agora curta, tenta me encontrar  na vitrine de manequins móveis, e sorri. Eu aceno encantada, mas não sei se me vê, vou aguardá-lo no desembarque.

***
O portão de chek-out transforma-se em uma festa comum de convidados estranhos, todos aguardam ansiosos os seus, não importa se curtas ou longas distâncias, há uma expectativa entre os que esperam, com exceção dos executivos e sua indiferença perdida, aqueles que vem procuram na multidão seu alvo esperado. Alguns cumprimentam-se apenas no olhar, crianças festejam os pais que retornam para o abraço, amigos de longa jornada fazem surpresa na espera, casais beijam-se saudosos... Me distraio por uns segundos com a alegria de uma menina que chora com ternura ao abraçar seu pai, o pouco tempo distante que ele menciona surpreso com a emoção da filha, pareceu uma eternidade para aqueles braços pequenos que não o alcançavam por uns dias.
Volto ao meu mundo e ao retomar o olhar desejoso, já o encontro fitando-me! No encontro dos olhos sorrimos - sorrimos além dos lábios, a sensação era de todo o corpo sorrindo ao mesmo tempo - perco a programação dos movimentos na timidez que ele ressuscitara em mim e estendo tardiamente um dos braços em sua direção, chamando-o com um oi desconcertante!
Ele me puxa num abraço, não tão apertado, mas chamando-me pela cintura num êxtase de saudade já não contida. Existe agora o espaço apenas para nossos olhares, que já se misturavam...
Num mergulho esquecido do mundo ao redor, as bocas apenas calam, e conseguimos no olhar entender tudo o que diríamos agora. Percorro cada centímetro do seu rosto, suas sobrancelhas largas, seus pequenos olhos, e tocando suavemente o lado esquerdo de sua face, ele une-se ao meu sorriso no toque do beijo sem hesitação...
- Dessa distância sim, eu entendo.

Raiana Reis

8 comentários:

Pobre esponja disse...

Também entendo: devemos preservar o amor, esta espécie em extinção...

bjs gata
Pobresponja

Anônimo disse...

"Feche seus olhos e veja o azul do meu céu suplantar estas nuvens escuras. Você é a luz, em meu pensamento vejo seu vestido vermelho e seus braços estendidos dentro da noite. Eu nunca desistirei de lutar. Eu irei distante" - Bon Jovi (The Distance)

Mário Roberto Guimarães disse...

Belíssimo conto, Raiana, parabéns.Um abraço,Mario.

Gilbamar de Oliveira disse...

Parabéns Raiana, você escreve muito bem e passa a mensagem com sensibilidade e maestria,enfim faz da arte e das palavras o mesmo que o oleiro com o barro que molda. Nunca deixe de escrever, seu talento é palpável e merece seguir adiante. Abraços poéticos de Gilbamar.

Será que o Kelsen vai gostar? disse...

Belo conto!! Amo sua sensibilidade!!
Tbm qria ser prodígio ao escrever...
Beijo

P.S.: eu entendo! ;)

Ciça Ferreira disse...

Que linda história Raiana... o amor é mesmo incrível né?

Adorei!!!

Obrigada pela visita ao meu blog... pelo lindo comentário e por dividir comigo um pouquinho da sua história.
A vida é mesmo assim, incosequente. Estamos aqui, mas mal sabemos pq. O importante é seguir, sempre. E fazer com que nossos momentos sejam melhores, pra nós, e pros outros.
Nem todos são iguais. Então, creio que com sua irmã, você já tentou... não é?

Beijinhos querida...
Parabéns pelas lindas palavras...

Marton Olympio disse...

Pepear, frasear, fazer o leitor viajar, tudo isso em poucas linhas, poucos momentos.
Uma delicia.
Menina, muito, mas muito lindo. PARABÉNS.
Que deste aeroporto partam outros voôs e nos levem para muitos lugares bons.

beijos

ps.: bem melhor que "crtl v" né?

Felipe Celline disse...

Pois seu blog é agridoce e embalado como o tango. Parabéns.

Felipe Celline.

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